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segunda-feira, 10 de abril de 2017

Um salto no escuro e a teoria do caos.

Sempre tive uma facilidade extrema de me adaptar ao ambiente. Sempre achando que o local que eu me encontrava no momento, era o melhor do mundo e mal me lembrando de onde eu vinha.

Mesmo quando fazia viagens relativamente curtas, 2 ou 3 meses, geralmente cursos no exterior, achava que estava em casa. Ok, nunca me enviaram para Síria ou Afeganistão embora suspeito que, muitos ardentemente desejassem isto pois, sempre fui um funcionário nada convencional, mas esta é outra história.

Sempre me pautei pela coerência. Assim que terminei o ensino médio, cheguei na Universidade Pública para fazer minha inscrição no vestibular e ali mesmo, escolhi minha carreira: perguntei ao moço que estava me atendendo qual era curso  que dava mais oportunidades de fazer dinheiro.

- Olha, Engenharia é uma boa escolha - respondeu-me o atendente olhando para o relógio impacientemente.
- Pois pode marcar aí, pois sinto aqui, minha vocação nascendo - respondi prontamente.

Terminei engenharia elétrica em 1983 e os primeiros computadores apareciam e me apaixonei. A crise do petróleo deflagrada em 1973 atingia o apogeu, no Brasil. Tudo por aqui parece chegar com um atraso de 10 anos.

Comecei trabalhando em computadores, pois empregos estavam escassos e comecei a duvidar do atendente mas um ano depois ingressava no mundo Telecom descobrindo um mundo fantástico e nesta área permaneci por 18 anos, dois deles nos EUA mas em 1996,  visitando uma fazenda de um concunhado, num dia frio de inverno (It´s a cold and blue day - Mobydick) fiquei minutos contemplando as pastagens banhadas pelo sol ainda forte dos trópicos. Percebi ali que não havia país mais rico que este. O sol irradiava energia o ano todo, que iria alimentar o mundo pois, os alimentos são reservatórios de energia solar convertida. Uma questão de tempo, seremos uma potência ainda.

Em 1997 adquiri uma fazenda ao lado e em 2004 mudei definitivamente para explorar meu novo empreendimento. Um salto no escuro, afinal nunca havia morado numa fazenda e sequer conhecia bem uma vaca. Minha filha Karen com 12 anos na época, me ensinou a diferenciar um bezerro macho de um fêmea.

Como era uma área pequena, dediquei-me a pecuária de leite, unica atividade que me diziam ser viável ali. Crescemos, fomos pioneiros na região na adoção de tecnologias mas os resultados nunca eram satisfatórios até que eu percebi, deveria encontrar uma atividade complementar. 

Comecei a pesquisar. Nosso país é o maior exportador de carne bovina do mundo mas apanhamos feio dos americanos que possuem metade do rebanho e produzem mais carne. Onde estaria o segredo.

We are going to Texas!

Não fui ao Texas, na verdade já havia ido anos atrás com minha família, cruzando 22 estados nos EUA, mas as memórias se acumularam em algum canto e, Eureca, lembrei que, o gado de corte americano é basicamente criado ali, em regiões Texanas onde nunca chove.

Continuei pesquisando e fui fazendo minhas planilhas, fundamentadas por estudos sobre a dieta de grão inteiro. Uma dieta fundamentada no fornecimento quase integral de alimentos concentrados, desafiando a principal característica dos bovinos, animais herbívoros, que se alimentam de volumoso - capim preferencialmente.

Planejamento detalhado, antes de começar o projeto propriamente, escrevi um artigo no meu blog: 

Bezerros Holandeses: Como produzir um bezerro de 12 arrobas com 12 meses.

Havia muita convicção que aquilo funcionaria mesmo sabendo que muitos por aqui tentaram e desistiram por diferentes razões. No máximo eu teria uns poucos leitores rindo de mim se desse errado. 

E funcionou maravilhosamente, com os bezerros holandeses chegando a engordar 2 Kg /dia, empatando com os rednecks. Com 12 meses vendemos o primeiro lote de holandeses, como baby beef para o frigorífico.

Eles pagaram preço de arroba de boi mas nunca tinham visto aqueles boizinhos. O lucro foi bom na casa de 60% a.a. Mas eu estava insatisfeito, queria resultados mais rápidos.

Modifiquei a dieta e vendemos o segundo lote com 10 meses. O lucro melhorou muito pois o consumo dos alimentos é função do peso do animal que a cada 15 dias deve ser monitorado por amostragem. A ferramenta que desenvolvi foi muito importante, entravava com peso do animal e ela me dava a dieta por animal  e a lucratividade que eles teriam ao longo do tempo até sua venda. Estava ficando tedioso, pois a ferramenta previa o futuro mas, ela não previa não conformidades, a teoria do caos.

Um dia morre um bezerro de acidose, uma diminuição drástica do PH ruminal. Meus funcionários ficam muito abatidos enquanto eu ficava repetindo: foi a melhor coisa que aconteceu, pois isto vai evitar uma tragédia de grandes proporções que aconteceria em breve. Um bezerro heroico. Salvou os demais. Fizemos o enterro do pobre bezerro com salva de tiros e bandeira Nacional.

Corri para o Google e horas depois fui parar numa tese de mestrado de Carolina Guerra Martins de 2013. Ela percebeu que a adição de bagaço de cana na proporção de 9% elevou o PH ruminal de 5,7 para 6,10. Não temos bagaço de cana na Fazenda e optei por cana moída que utilizamos no trato de novilhas, bezerros e vacas secas etc. Mas cana não é um substituto ideal do bagaço pois contem muito carboidrato.  


Maravilha, resolveu o problema e nos permitiu sair do fio da navalha, pois quando você trabalha nos limite, o risco de mortes é grande, daí fornecíamos a dieta em porções, 3 vezes ao dia para evitar uma redução excessiva do PH. Com a introdução da cana triturada passamos a trabalhar com dieta 2 vezes ao dia.

Mas dias depois vejo que alguns bezerros não estavam muito bem, apresentando sinais de timpanismo. Pensei, será a cana? Mas em quantidades tão pequenas, é impossível. Perguntei aos funcionários e eles disseram que haviam aumentado 600 gr para 3 kg pois isto teoricamente, seria ainda melhor.

Não era, embora as intenções fossem as melhores. Quando você trabalha no limite, uma pequena modificação assim, elevou os nível de carboidrato, que seria fatal se eu casualmente não tivesse ficado cismado com um bezerro especificamente. Gato escaldado tem medo até de neve.

Bem, neste estágio, considerei que havíamos atingido o ponto ideal e arriscar mais seria inútil e perigoso.

Comecei a testar então o bezerro meio sangue. Metade holandês e metade Gir, chamado de girolando e bem aceito pelos criadores de bezerros a pasto que fogem do bezerros holandeses como o diabo da cruz pois, são mais frágeis, menos resistentes ao calor e por esta razão têm menor conversão alimentar.

Desmamados aos 2 meses, os bezerros 1/2 sangue, foram confinados na dieta de grão inteiro e aos 4,5 meses vendidos com 180 Kg cada a um preço de R$ 1.200,00 por cabeça. Um lucro de R$ 800,00  e um custo final de R$ 422,00 por cabeça. Lucro líquido real de 267%. Um negócio com lucratividade de Pablo Escobar e totalmente lícito.

Caos Theory

Planejamento para o ano seguinte feito, já visualizando os milhões, a teoria do Caos entra em ação novamente: uma presidente cabeça de vento joga o dólar de 2 para 4 reais o que eleva o custo da saca de milho de 22 reais para quase 50 reais, provocando suspensão temporária do projeto em 2016, com retorno previsto para 2017 caso outro maluco governamental não entre em ação novamente. Anyway, os lucros serão menores, pois os preços dos bezerros caíram com o naufrágio da economia, embora ainda sejam espetaculares. 

Bom para o Brasil

O aproveitamento dos bezerros holandeses, hoje descartados, poderiam adicionar ao mercado de carne nacional, 100 milhões de arrobas /ano, a partir do uso desta técnica, como é feito na America e Europa.

O confinamento de bovinos tomou lugar da pecuária extensiva nos EUA lá pelos idos de 1850. No Brasil, esta novidade ainda não é uma realidade pelo custo tradicionalmente barato das terras no passado e pelas incontáveis heranças de pequenas capitanias hereditárias espalhadas pelo Brasil. Mas  as terras estão cada vez mais valiosas, devido a pressão da agricultura. 

Com isto, as multinacionais e grandes  produtores, invadiram a Amazônia a partir da década de 70 para estabelecer novas áreas  para a produção de carne seguidas depois pelos agricultores. 

A produção dos novilhos precoces utilizando os bezerros machos da pecuária de leite reduzirá drasticamente esta pressão, salvando a Amazônia.