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terça-feira, 25 de dezembro de 2018

A Quem Interessa a Crise do Leite

É preciso identificar os verdadeiros responsáveis pela crise do leite pois, do contrário não vale a pena insistir.
Mapa do Leite no Brasil Resumido
O Brasil produz 35 bilhões de litros de leite por ano e a capacidade de nossa industria é de apenas 24 bilhões.
Então o que é feito com os 10 bilhões que a industria não pode processar?
Estes 10 bilhões são produzidos por 1 milhão de pequenos produtores para consumo próprio, produção de doces, queijos etc. São os produtores informais mas que não entram diretamente no negocio do leite inspecionado.
Os outros 250 mil produtores produzem 70% da produção total nacional ou seja cerca de 25 bilhões de litros.
Sendo que, apenas 82 mil produtores produzem cerca de 77% do leite inspecionado.

Crescimento do Mercado e da Produção - O Efeito Sanfona
O mercado do leite no Brasil cresceu nos últimos anos a uma media de 5,5% ao ano enquanto o leite processado cresceu a uma média de 4,4% ao ano e certamente não é porque o produtor não quis.
Para mim é claramente limitações de processamento da industria de laticínios. E o pior, a maioria deles com capacidade de processamento em leite UHT ou em pó bastante limitadas quando não inexistentes.
Para muito deles o negócio é vender o leite captado no mercado spot, principalmente para industrias multinacionais com interesses em mercados do leite noutros países também e são elas que definem os preços e a hora de importar e importam. Mais de 1 bilhão de litros, usados para baixar os preços pagos ao produtor e talvez para suprir o leite em pó que não conseguem processar.
A Nova Zelândia, um pequeno pais que faz 14 bilhões de dólares anuais em divisas no mercado mundial e é do tamanho de Tocantins e produz a mesma quantidade de leite fiscalizada que é produzida no Brasil, ou seja 23 bilhões de litros. Como eu disse os outros 10 a 12 bilhões produzidos no Brasil,  são de propriedades que produzem 10 a 20 litros para auto consumo.
Com uma diferença, no Brasil a média de produção por vaca é de apenas 1.500 litros e na Nova Zelândia, 4.100.

O Gigante Adormecido e a Política Colonial
Basta uma estruturação do setor, incentivos, capacitação tecnológica e de investimentos ao produtor que eles irão facilmente dobrar a média de produção por vaca, alcançando assim 50 bilhões de litros/ano transformando o Brasil no segundo produtor mundial. Mais da metade da produção americana.
Mas não basta produzir mais, aliás é loucura se a industria também não dobrar sua capacidade de processamento.
Mas interesses obscuros continuam promovendo a importação de leite em pó, quando deveríamos estar exportando.
Nosso negócio do leite sofre do mesmo efeito sanfona que acometia e ainda acomete a pecuária de corte de muitos produtores. O boi engorda nas águas e emagrece ou ganha pouco peso na na seca.
Esta politica colonial se estabeleceu no leite, por industrias gigantes do leite e a falta de visão de governos anteriores num negócio que cresceu mais que qualquer outro na agroindústria . Enquanto o PIB Brasil decaia o leite continuava crescendo 5,5% ao ano.
E nosso produtor tecnológico responde rápido e tem a capacidade ilimitada de produzir mais pois o que não falta neste país é vaca. Mas assim que ele se entusiasma e aumenta a produção na seca, logo tem que pisar no freio pois nas primeiras chuvas os preços caem sem tréguas e o leite importado entra sem maiores explicações.

Basta Proibir Importações?
Ajuda mas não resolve tudo, mas é necessário cotas. Não podemos permitir que Uruguai exporte a vontade só porque o regime do ex-presidente comunista e amigo de Lula recebeu este prêmio as custas do produtor nacional.
Outro problema é que, produtores não tecnológicos, que dispondo de muita terra e que produzem quase nada na seca, quando chegam as águas, com ausência de cotas, despejam no mercado todo leite que conseguem produzir, jogando o preço para baixo por excesso de oferta e ausência de cotas.
Uma politica de cotas e de estabilidade mínima nos preços do leite é necessária, isto é facilmente calculado usando a referência histórica de preços. Define-se uma média que é paga no ano todo sem as flutuações que levam a euforia e ao desespero.

Agora, a quem interessa continuarmos limitados ao mercado interno e pior, importando? Só se for a Nova Zelândia e outros países exportadores.

Brasil: o Futuro Maior Exportador de Leite do Mundo

A Nova Zelândia exporta 97% do leite que produz, o Brasil exporta míseros 0,1%. Na verdade importa mais que exporta.

Olhando o gráfico abaixo, de 2017, percebe-se que o Brasil possui um custo de produção por litro um pouco superior ao da Nova Zelândia mas ainda um dos mais baixos do mundo. Os Estados Unidos, o maior produtor mundial possui um custo de produção de 33% a 70% maior que o nosso ou da Nova Zelândia. E o Canadá, maior exportador de lácteos para os EUA, tem um custo imoral, aproximadamente 2 vezes maior que o Brasileiro. Sobrevive de uma pecuária leiteira extremamente organizada e com facilidades para exportar para os EUA. Produtores felizes com um plantel médio de 60 vacas, tão produtivas quanto as americanas. No entanto, os subsídios estão paulatinamente caindo e não há organização que resista a uma realidade adversa do mercado.

O Uruguai é o nosso Canadá, basta que EUA ou Brasil criem quotas para importação que o caos se estabelece na produção leiteira destes países. São países altamente vulneráveis assim como é a Nova Zelândia, por depender exclusivamente da exportação em sua lucrativa indústria de lácteos. Tudo que os países exportadores não querem é que o Brasil desperte e domine o mercado mundial assim como fez com o mercado de carnes. Mas isso vai acontecer mais cedo ou mais tarde e é por isso que investidores daquele país já estão no Brasil produzindo e outros países só querem uma estabilidade mínima política para entrar aqui produzindo em alta escala.

Tanto Brasil quanto a Nova Zelândia estão aumentando seus custos de produção, com o aumento do uso de silagens e grãos num processo similar ao dos EUA que ainda nem de longe podem competir em produtividade.

Um caminho arriscado, se o produtor não estiver focado na produção e principalmente na redução de custos, utilizando substitutivos ou produzindo sua própria dieta. Propriedades pequenas não serão viáveis para a produção de leite nesta linha a curtíssimo prazo e mesmo produzindo a pasto terão dificuldades de sobreviver com o passar dos anos.

Crescer e Multiplicar

Para o produtor de leite que é jovem e quer participar deste futuro glorioso para o mercado do leite, é preciso investir gastando o mínimo. Produtores de sucesso aqui em Minas gastam uma ninharia comprando barracões de granja desativados e montam suas estruturas de compost barrn. Outros gastam uma fábula comprando tudo novo num negócio no qual o lucro se mede por centavos por litro. Um doce para quem acertar quem vai sobreviver.

Lembrem-se que em nada adiantará continuarem a ser pequenos pois o preço do leite sofrerá constantemente a pressão de baixa dos produtores industriais. A proibição das importações será um paliativo temporário mas o preço continuará caindo a longo prazo.

Pasto ou Semi-confinamento

Dez a 25% dos produtores de leite dos EUA já retornaram às pastagens, produzindo menos e lucrando mais. Nova Zelândia, Austrália, Irlanda, Uruguai nunca abandonaram as pastagens e produzem um leite com o menor custo graças principalmente as suas condições de clima. O que estes países sabem há muitos anos é o mesmo que a Embrapa e os EUA confirmam em seus estudos. Produzindo a pasto, os estudos dos EUA apontam para uma produção média de 6.000 kg vacas por lactação contra os 9.000 Kg do confinamento, no entanto, cada vaca gera uma receita de 100 dólares a mais na lactação. E o Brasil é riquíssimo e tem todas a possibilidades de produzir muito leite a um custo atrativo empregando pastagens irrigadas como a Nova Zelândia em suas plantas em Goias e Bahia ou um sistema misto, com pastejo no período de chuvas e confinamento na seca.

Conclusão:

1 - O Brasil se transformará no maior exportador de lácteos;
2 - A atividade será grandiosa mas não devemos nos iludir que bastará um banquinho um balde e umas vaquinhas;
3 - O leite em se tornando uma commoditie cotada em dólar, a pressão de baixa nos preços dos grandes produtores industriais vai impactar muito os pequenos. Ou produtor pequeno se prepara ou será uma luta desigual;
4 - O país passando a ser um player exportador, significa que teremos receitas e custos atrelados ao dólar e não somente os custos como acontece hoje;
5 - Mas o negócio é altamente promissor e os antigos modelos não servirão para muita coisa.

Agora, o governo vê o produtor de leite como um eterno chorão clamando por subsídios e restrições a importações mas o produtor não se atenta a mostrar ao governo que a atividade pode dar aquilo  que o governo mais precisa: dólares de divisas internacionais para combater seu deficit publico monstruoso. Um ministro da economia tende a não saber o que é uma vaca mas ele vendo as possibilidades fantásticas do novo negócio saberá juntamente com os produtores criar a estrutura de organização do setor para sermos mais rapidamente grande exportadores de lácteos . Do contrário será a eterna choradeira todo final de ano.

Paradigma Americano: a Industria do leite nunca mais será a mesma

Aprendi que, no Brasil as coisas acontecem com um pouco de atraso em relação ao mercado dos EUA, mas elas acontecem. Então,  acompanhei com atenção o que se passava por lá.
Em 1970 haviam 650 mil produtores de leite nos EUA, a maioria pequenos, menos de 100 vacas. Nos anos 2000 este número já havia despencado para 130 mil e a média de vacas ordenhadas subido para 150.
Em 2017 o número de produtores total  era de apenas 40 mil e quase quase todos eles com mais de 1000 vacas. Nascia um novo modelo de produzir leite, os produtores industriais ou comerciais.
Os pequenos foram vitimas de um  Modelo de Negócio Ultrapassado, dos empréstimos bancários e da pressão de baixa nos preços pelos grandes atacadistas.

Novo Paradigma: Wallmart e Krogers entram no processamento de lácteos

Estes dois gigantes do varejo americano não satisfeitos em tornarem o preço do leite mais baixo que a há dez anos atrás, caindo de 3,80 dólares o galão (3,6 lts) para $3,23 este ano, decidiram instalar modernas e gigantes fábricas de processamento de lácteos em pontos diversos dos EUA. A consequência disto foi que os produtores próximos as fábricas firmaram contratos com o Wallmart e Krogers, nos termos deles  e os mais distantes, receberam cartas das cooperativas, comunicando que não mais comprariam o leite deles.

Isto deixou os produtores e as próprias cooperativas sem receitas e os produtores ou encerraram as atividades ou estão vendendo as últimas vacas para os frigoríficos e se derem sorte, para algum produtor de leite para pagarem as contas.

Os produtores que recebiam $1,32 por galão gastando $1,92 e a quatro anos estavam no negativo no leite,  invocaram a falência coletiva da categoria e foram aconselhados a venderem tudo o mais rápido possível. 

Os Produtores Que Resistem
Produtores corajosos, com capacidade de investir, ou coragem de assumir financiamentos, estão partindo para adaptação a nova realidade. Instalando unidades de engarrafamento e o pior, querendo fazer aquilo que nunca se fez na produção do leite. Vendê-lo para restaurantes, pequenos varejistas ou até para o consumidor final como acontece na Alemanha e Inglaterra.
Pessoalmente acho uma estratégia suicida. Leite é perecível ou você vende ou perde a produção. Americano não bebe este leite UHT que, não é exatamente leite, o preferido dos brasileiros. O leite americano vem em galões de plástico e dura no máximo uns 6 dias, um processo  chamado HTST, intermediário entre o "leite de saquinho" e o UHT. Acho que é para incentivar o consumidor a consumir. Aqui o brasileiro deixa o UHT dias e dias (não pode) na geladeira e os laticínios adoram pois, podem produzir e estocar na baixa e vender quando os preços forem às alturas. Lucro certo às custas do produtor.

No Canadá Acontece o Oposto que nos EUA
Os produtores Canadenses vivem numa boa, com o sistema de cotas definido pelo governo , barreiras a importação e um órgão regulador da atividade que tem a participação inclusive de produtores cabendo a ele a decisão dos preços, das cotas de produção e mesmo taxação das importações. 
Trump está furioso mas a simples imposição de barreiras a importação Canadense vai destruir os produtores do vizinho e em nada mudar no mercado dos EUA, já consolidado com produtores industriais, verdadeiras empresas com acionistas.  Uma informação: o custo de se produzir leite no Canadá é um dos mais altos do mundo. Acho que o leite é estratégico para o país manter ocupado os campos gelados dos país. Subsídios bem camuflados na exportação. O consumidor Canadense paga caro no leite mas, tudo bem a atividade e importantíssima para o pais.
Argentina e Uruguai são o nosso Canadá. Eles exportam a vontade mas como não têm mercado consumidor não importam nada do Brasil e quem paga o pato somos nós produtores.
Até que as possibilidades do leite sejam compreendidas pelo governo e mesmo produtores a unica opção que resta ao produtor é, baixar seus custos de produção e crescer. E isto não é nada fácil.
Os americanos apesar de reduzirem os produtores a míseros 40 mil estão produzindo mais leite que nunca mas foram, digamos, ludibriados por um secretário do Governo Nixon que os incentivou a produzirem ou desaparecerem,  com vãs promessas de exportações que ficaram nas promessas.



Fontes: USDA, Feastmagazine, NBC News