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sábado, 28 de setembro de 2013

Mastite Bovina: Mitos e Verdades - Cap. 11

Para um produtor ter sucesso na pecuária de leite ele precisa ter o Know How ou o conhecimento em cinco áreas muito específicas que são os pilares que sustentam a atividade. A deficiência em qualquer um deles, mais cedo ou mais tarde, irá obrigar o produtor a abandonar o negócio. Neste momento o produtor se abraça numa série de motivos  com os quais ele tentará justificar o seu fracasso, que listo a seguir:

  1. Falta de apoio do governo; 
  2. O dolar caiu; 
  3. O dolar subiu;
  4. Alto custo da mão de obra e dos insumos;
  5. Exagero de importações de leite;
  6. Baixo preço do leite. 
Se necessário também, o produtor pode ainda recorrer aos motivos exotéricos, como:

  1. Mal olhado;
  2. Olho gordo;
  3. Praga de sogra;
  4. Urucubacas;
  5. Encostos;
  6.  e outras bobagens do mesmo naipe.  
Mas as verdade é que, em geral o fracasso depende fundamentalmente destes pilares, do trabalho incessante e de um eficaz gerenciamento financeiro.

Pilares da Atividade Leiteira
  1. Produtividade (conseguir a máxima produção por animal com o menor custo);
  2. Alimentação (Prover uma alimentação balanceada e de qualidade com o menor custo possível  para manter o rebanho saudável e com alta produção);
  3. Criação de Bezerras (Não perder uma única bezerra sequer e fazê-las parirem com 24 meses com tamanho e peso adequados);
  4. Reprodução (fazer com que as vacas produzam um bezerro por ano);
  5. Controle da Mastite Bovina (Assunto deste artigo)

Os três primeiros fundamentos da atividade leiteira, Produtividade, Alimentação e Criação de Bezerras são mais simples e podem ser dominados sem muito esforço pelo produtor. Reprodução e Controle da Mastite são mais complexos e requerem estudos, persistência e análise minuciosa de todos seus componentes. Mas vamos nos concentrar na mastite e deixemos a reprodução para outros artigo.

A seguir descrevo os conceitos básicos de Mastite, tomando as definições de gente muito mais qualificada do que eu, para depois apresentar o que fizemos na Fazenda Veredas sobre o assunto e que funcionou. Estas definições (em itálico) encontrei no BOLETIM TÉCNICO MASTITE BOVINA: CONTROLE E PREVENÇÃO de SORHAIA MORANDI COSER, MARCOS AURÉLIO LOPES, GERALDO MÁRCIO DA COSTA da UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS DEPARTAMENTO DE MEDICINA VETERINÁRIA, que é um guia muito bom sobre o assunto. 

Existem duas formas de apresentação, que se denominam mastite clínica, quando as alterações são visíveis macroscopicamente e mastite subclínica, quando as alterações não são visíveis a olho nu (Fonseca & Santos, 2000; Dias, 2007).

Mastite clínica

“A mastite clínica caracteriza-se pelo aparecimento de edemas,aumento de temperatura, endurecimento e dor na glândula mamária ou aparecimento de grumos, pus ou quaisquer alterações das características do leite” (Fonseca & Santos, 2001, p.27).

Mastite subclínica
Por não apresentar sinais visíveis e passar despercebida pelos proprietários e pelos empregados, a mastite subclínica pode alastrar-se no rebanho, infectando outras vacas. Além disso, pode ocorrer destruição da capacidade funcional da glândula mamária, causando diminuição da produção leiteira e prejuízos à saúde do animal (Dias, 2007).

Um dos grandes problemas da mastite no rebanho é a sua prevalência silenciosa, ou seja, subclínica, determinando perdas de até 70%, enquanto 30% devem-se à mastite clínica (Santos, 2001).

O que é CCS?

Quando a glândula mamária é colonizada por algum agente patogênico, o organismo do animal reage, mandando para o local células de defesa, principalmente leucócitos, na tentativa de reverter o processo infeccioso. Essas células de defesa, somadas às células de descamação do epitélio secretor de leite nos alvéolos, são chamadas células somáticas do leite ou CCS. Portanto, quando há presença de um microrganismo patogênico na glândula mamária, geralmente, a contagem de células somáticas apresenta-se elevada, e esse aumento é a principal característica da mastite subclínica (Chapaval & Piekarski, 2000).


A CCS  quando realizada em uma amostra do leite do tanque, permite que tenhamos uma medida da quantidade de animais infectados em nosso rebanho e consequentemente da perda de produção ou seja, o tamanho de nosso prejuízo.
Pode-se dizer que uma vaca com CCS de 50 a 100 mil  está muito bem. Pelas normas atuais, até 250 mil de CCS, o produtor recebe a remuneração máxima pelo seu leitinho.


Tabela 1. Perdas na Produção de Leite e animais infectados com diferentes CSS medida no Tanque de Leite.

CCS no leite do tanque (x1.000/ml)
Estimativa da gravidade da mastite
Redução na produção (%)
% de animais infectados
< 250
Pouca ou nenhuma
Irrelevante
6
250 – 500
Média
4
26
500 – 750
Acima da média
7

± 42
750 - 1.000
Ruim
15
1.000
Muito ruim
18
±54


Fonte: adaptação de vários autores.

As Mastites são classificadas em dois grupos: Contagiosa e Ambiental.

Mastite Contagiosa
A Mastite Contagiosa é aquela que é provocada por microrganismos que são adaptados para viverem dentro do hospedeiro, ou seja, dentro da vaca. Uma alta CCS no tanque de leite significa que seu rebanho está infestado por microrganismos do tipo contagioso. E eles são disseminados principalmente durante a ordenha,  através das mãos dos ordenhadores, de tetos infectados para outros, por meio do equipamento da ordenha, bezerros, papeis toalha mal utilizados e pelas moscas.
Os principais agentes etiológicos incluídos nesse grupo são Streptococcus agalactiae, Staphylococcus aureus e Corynebacterium bovis (Langoni, 2000).
Cada um deles tem uma habita uma área específica. O S. Agalactiae (que é de fácil tratamento) habita o interior da glândula mamaria, o S. Aereus (difícil tratamento) que é facilmente disseminado porque se espalha dentro da canal do teto, interior da glândula mamária, pele do teto, principalmente quando lesada, e o que é pior, nas mãos do ordenhador, que se não desinfetadas regularmente, vão passando o S. aeurus de vaca em vaca durante a ordenha.  O Coryne (difícil tratamento) se localiza dentro da glândula e dos ductos dos tectos.

Mastite ambiental

Segundo Bradley (2002), os patógenos ambientais, descritos como invasores oportunistas da glândula mamária, não estão adaptados à sobrevivência no hospedeiro e, por isso, normalmente, desencadeiam infecções clínicas.
Segundo Bressan (2000), o grupo de patógenos desse tipo de mastite é constituído de bactérias que estão presentes em várias fontes do ambiente da fazenda como água contaminada, fezes, solo e diversos materiais orgânicos usados como cama, animal propriamente dito, os equipamentos de ordenha e o homem.
Os principais patógenos desse grupo são bactérias gram-negativas e espécies de Streptococcus que não S. agalactiae. As bactérias gram-negativas mais comumente associadas às mastites bovinas são os coliformes: Escherichia coli (nas fezes), Klebsiella (vegetais e derivados da madeira, tais como pó-de-serra e cepilho) e Enterobacter. Os Streptococcus do ambiente incluem diversas espécies, tais como Streptococcus uberis e Streptococcus dysgalactiae (Bressan, 2000; Fonseca & Santos, 2001).
De acordo com Santos (2001), a mastite ambiental caracteriza-se por uma maior proporção de mastite clínica em relação à subclínica, quando comparada com a mastite contagiosa. Geralmente, determina casos clínicos agudos de evolução rápida, com maior concentração no pós-parto e maior taxa de infecção durante os períodos chuvosos. O autor comenta que a transmissão dos microrganismos patogênicos na mastite ambiental se faz diretamente do ambiente para o interior da glândula mamária, ocorrendo, principalmente, entre as ordenhas.

Uma particularidade de destaque na mastite ambiental é que ela geralmente se manifesta em rebanhos bem manejados e com baixa CCS. Isso porque a alta prevalência de mastite subclínica e a alta CCS dos rebanhos com problemas de mastite contagiosa conferem, até certo ponto, uma proteção parcial contra os agentes ambientais. Por isso, cabe salientar que, uma vez iniciado um programa de controle de mastite, este deve ser integral, abrangendo medidas de controle tanto de mastite contagiosa quanto ambiental, pois, quando se adotam rígido manejo e higiene na ordenha, sem adoção de medidas de controle do ambiente (barro, lama, esterco, cama orgânica), pode-se obter queda significativa na CCS, seguida de surtos de mastite clínica aguda causada por patógenos ambientais. (Fonseca & Santos 2001, p.33)

Reduzindo a Mastite Ambiental: Providências

Segundo Campos & Lizieire (1993), deve-se manter um rígido controle higiênico-sanitário ambiental por meio da limpeza do ambiente de repouso das vacas, dos estábulos e da sala de ordenha, evitando o acúmulo de fezes, esterco, água parada ou lama, principalmente nos locais de permanência das vacas; afastar do rebanho vacas com mastite crônica e evitar a entrada no rebanho de animais com alguma infecção (metrites ou feridas abertas) que possam contaminar o chão.

Reduzindo a Mastite Contagiosa: Providências Adotadas Na Fazenda Veredas
  1. A primeira providência é adotar o teste da caneca com fundo preto, que identifica os animais com mastite clínica ou ambiental.
  2. As vacas com mastite clínica ou ambiental devem ser separadas e colocadas no último lote a ser ordenhado, que é o das vacas em tratamento de mastite ou em descarte de leite aguardando o período estipulado pelos antibióticos utilizados. 
  3. Uma vez realizado o teste da caneca, os tetos das vacas devem ser mergulhados numa solução de clorexidina, podendo-se usar o Agrisept ou produto semelhante. 
  4. Não usar iodo (o iodo deve ser reservado para o pós-dip) ou os famigerados produtos que produzem uma espuminha e que são muito econômicos. Se produz espuma é porque tem detergente e podem ter PH não balanceado mas o pior da espuma é que, não há uma uniformidade na aplicação do produto. Partes do teto podem não receber o produto adequadamente e o ordenhador não perceber.
  5. O produto tem que ser líquido, é preciso  ter a garantia que todo o teto será molhado e consequentemente, descontaminado.
  6. Trinta segundos depois de aplicado o produto, os tetos devem ser secos com toalha de papel. De preferência uma para cada teto, mas fique sabendo que seus funcionários nunca farão isto. Conforme-se,  pois eles usarão dois papeis apenas para os quatros tetos, que é muito mais rápido, e relativamente eficiente.
  7. Não espere que seus funcionários usem luvas: elas são incompatíveis, alguns preferem pedir demissão ou cortar cana.
  8. JAMAIS USAR ÁGUA NA LINHA DE ORDENHA. É comum os funcionários terem recaídas e darem uma lavadinha nos tetos das vacas que entram com os peitos muito sujos. Neste caso, mandem os funcionários para o tronco e aplique 10 chibatadas. 
  9. Bactérias nadam e se propagam facilmente em tetos molhados. 
  10. Se os tetos estiverem sujos, com barro, não importa, limpe com papel toalha e depois faça o teste e aplique o Pre-Dip.
  11. Li uns artigos de pesquisadores respeitáveis de escolas famosas no Brasil que recomendam uma lavadinha e uso de hipoclorito de sódio, água sanitária  e outras bobagens. Se algum senhor respeitável te recomendar isto, pegue a espingarda, solte os cachorros e chame a polícia.
  12. O pos-dipping é fundamental. Utilize Iodo 5%, No Drip. Meu preferido é o da Weizur. Um produto  No Drip funciona como um selante para o esfincter, que após a ordenha permanece aberto por algum tempo. E este é o momento mais perigoso para uma vaca contrair uma mastite. Já experimentei o ácido lático, mas por enquanto permaneço fiel ao velho e bom Iodo. 
  13. Regulagem da Ordenha é fundamental: pressão do vácuo acima do normal, pode causar ferimentos no canal do teto, que é uma fonte de infecções.  Pressão abaixo do normal, fará ordenha incompleta deixando leite em excesso que é um terreno fértil para a mastite.
  14. É muito comum os funcionários forçarem a teteiras para baixo para tirar todo o leite da vaca. Já vi casos de se colorarem garrafas pet de 2 litros com água para dar uma mãozinha extra.
  15. Infelizmente, vacas são criaturas que se acostumam facilmente e aquelas que foram habituadas com a pressão extra no final da ordenha, dificilmente liberarão todo leite sem ela. Massagens tem o mesmo efeito. Acondicionam a vaca e reduzem a produtividade na ordenha, demandando tempo  e custos extras. Mas nunca deixe que uma novilha recém parida adquira tais hábitos.
  16. E por falar em novilhas, crie os lotes de novilhas, para mantê-las sem riscos de serem contaminadas pelas vacas do rebanho.
  17. Fazer os testes de CMT ou análises individuais de CCS. Ajuda mas não muito. Se o rebanho estiver contaminado com mastite sub-clínica, fica praticamente impossível separar o joio do trigo, ou seja, vacas com mastite sub-clinica das vacas sadias.

Tratamento da Mastite Clínica
  1. A maioria dos microrganismos são suscetíveis a antibióticos e existe uma variedade imensa de produtos para combate a mastite na forma de pomadas intra-mamárias, mas a maioria não serve para muita coisa, seja por ineficiência do produto ou resistência adquirida pelos microrganismos. 
  2. Um regra geral é que, poderemos tratar uma vaca apenas com pomadas intra-mamárias quando ela não apresenta inchaço, febre ou vermelhidão.
  3. Havendo inchaço, ou outros sintomas, deve-se usar em conjunto, um antibiótico injetável de largo espectro e sempre manter a temperatura do animal sob controle.
  4. Uma atitude sensata é: colher uma amostra do leite tão logo se detecte a mastite, para se fazer um antibiograma se necessário. Mas um antibiograma demora tanto para ser realizado, que quando sai o resultado não serve para muita coisa. Se você esperar pode perder o animal.
  5. Quantos mais animais na ordenha, maior a possibilidade de se criar patógenos resistentes  mesmo aos de última geração e, cuidado, você pode ser seduzido por produtos caros e que prometem milagres. O único milagre que pode acontecer é algum deles funcionar.  Na maioria das vezes, curam pela metade, o que significa que a mastite volta pior ainda.
  6. REGRA BÁSICA: Quando tudo parece perdido e nada parece funcionar, lembre-se da velha e boa terramicina. Mas use apenas a original, que tem descarte de 4 dias. 
  7. NUNCA DESISTA pois uma vaca bem alimentada sempre irá vencer a infecção. Cuide para que ela sobreviva, e fortaleça suas defesas, que ela irá se curar sozinha. 

Homeopatia é Solução?

O Princípio que norteia a homeopatia é muito interessante, que é o de fortalecer as defesas do animal, para que ele possa debelar a infecção sozinho. Infelizmente, testei diversos produtos por dois anos, e não vi melhoras,  que só aconteceram quando adotamos as medidas descritas acima. Elas permitiram uma redução na taxa de CCS para praticamente a  normalidade em menos de três meses, o que 2 anos de uso continuo da homeopatia não possibilitou. Na verdade, o indicador de CCS permaneceu por dois anos o mesmo.  Estamos há quase quatro meses sem homeopatia e até agora tudo está dentro da normalidade e melhorando. Como acontece com esta industria, os produtos são muito caros, penso que em função da penetração reduzida que não permite uma produção em massa. Mas, sem preço, vão continuar com um mercado muito limitado e o que é pior, sem que se saiba se servem para alguma coisa ou não.


Complexos Vitamínicos Resolvem?

Ajudam mas não curam e são demasiadamente caros e não possuem custo benefício. Alimente suas vacas adequadamente, com áreas de sombra e água de qualidade, acho que é o suficiente.

Água

A qualidade da água utilizada na limpeza da ordenha e dos resfriadores de leite é fundamental. Por duas vezes tive problemas com o poço artesiano, numa delas por quase um mês utilizei a água de uma mina da propriedade. Uma mina que nasce e morre na propriedade e cuja água vem canalizada da fonte até a caixa água utilizada para bombeamento para as caixas principais. E em todas ocasiões vi Contagem Bacteriana Total ou CBT aumentar aritmeticamente e casos de mastites mais frequentes. Outros problemas podem ser vistos com as bezerrinha que apresentam índices maiores de diarreias.

Limpeza da Ordenha

Vou comentar rapidamente sobre este item, pois acho que esta é a parte que todos sabem o que fazer:

  1. Terminada a ordenha, o fundamental é fazer o enxague, com água a 45 graus, nem mais nem menos. Aqui na Fazenda Veredas, o enxague é feito até que não haja sinais de leite  na água, o que normalmente acontece com 3 ou 4 ciclos;
  2. Depois, faz-se a limpeza com com o detergente alcalino, com água a temperatura de 72 graus. Tão logo a temperatura da água caia para 45 graus deve-se finalizar o processo com  um enxague que não deixe vestígios do produto na ordenha.
  3. A limpeza com detergente ácido deveria ser diária, mas isto toma um tempo precioso dos funcionários e passamos a fazê-la duas vezes por semana. A limpeza deve ser feita com água na temperatura de 45 graus.
  4. Antes da ordenha é recomendável a limpeza com sanitizante para eliminar as ultimas bactérias, mas ela só tem alguma importância quando você conseguiu reduzir seu CCS para uns 350 mil pois,  para se chegar aos 250 mil você tem que usar todos expedientes possíveis porque as conquistas são nos detalhes.   Se seu CCS está na faixa de 4 dígitos o sanitizante tem pouco significado. Primeiro você tem que trazê-lo para abaixo de 400 mil e para isto acontecer é preciso que você faça uma revolução nos seus procedimentos, que começa com a conscientização dos seus funcionários, através de palestras e da visualização dos resultados das novas rotinas implantadas. Prêmios de resultados são eficazes. Utilizamos nas Veredas premiação por incrementos na média de leite produzido por vaca. Seu funcionário vai entender rapidamente que, reduzir uma CCS de 1 milhão  para 250 mil significa um incremento 20% na média de leite por vaca. 


"não existe nada mais crítico na atividade leiteira do que a ordenha, e a maneira como ela é realizada separa o bom produtor do tirador de leite. Aquele produtor que “não tem tempo”, ou “não acha necessário”, ou ainda “acha muito caro” lavar e sanitizar os equipamentos conforme as recomendações técnicas, DEVE PROCURAR OUTRA ATIVIDADE".Bressan et al. (2000, p.47)